TJSP 24/08/2022 -Pág. 1460 -Caderno 4 - Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III -Tribunal de Justiça de São Paulo
Disponibilização: quarta-feira, 24 de agosto de 2022
Diário da Justiça Eletrônico - Caderno Judicial - 1ª Instância - Interior - Parte III
São Paulo, Ano XV - Edição 3576
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grãos acordado. Assegurando à prestadora de serviços o recebimento da quantia ainda que não haja prestação de serviços
acordados contratualmente. A cláusula “take or pay” opera como uma multa, sendo devida em razão de o tomador ter reservado
uma quantidade de grãos impedindo que o prestador celebre contratos com terceiros em relação à quantidade contratada mas
não escoada. Há uma capacidade limitada de serviços de movimentação, armazenagem e transporte a ser ofertado pela autora.
A natureza juridica do “take or pay” é de cláusula penal. Os valores pagos nesses casos não decorrem de prestação de um
serviço, é justamente porque o tomador desistiu de utilizar os serviços contratados. O fato gerador neste caso é a inadimplência
contratual do tomador. Não obstante, o Município de Santos lavrou diversos autos de infração em face da autora por conta de
suposto recolhimento a menor de ISS, sob o argumento de que não teria sido pago o imposto incidente sobre a quantia recebida
em decorrência da cláusula “take or pay”. Segundo o fisco, essa quantia teria sido recebida a título de prestação de serviço e,
portanto, comporia a base de cálculo do tributo. Dentre essas autuações, encontra-se o objeto da execução fiscal n° 150408724.2019.8.26.0562 no valor de R$1.310.495,58. Que o ISS incide somente sobre quantias recebidas a título de contraprestação
de serviços prestados que não é caso da cláusula “take or pay”. O art. 1º da Lei Complementar n°116/2003 dispõe sobre o fato
gerado do ISS. Só está sujeito ao imposto o ato de prestar serviços, ou seja, apenas os valores recebidos pelo sujeito passivo
como consequência direta da prestação de serviço compõem a base de cálculo do ISS. Como já mencionado, a cláusula “take
or pay” tem natureza jurídica de cláusula penal compensatória correspondente ao recebimento de uma quantia pré-fixada em
virtude do tomador não utilizar o montante reservado de serviços. O valor é para cobrir os custos e investimentos dispendidos,
mesmo na hipótese de o serviço não ser prestado. Que embora não se trate de ISS, mas de PIS/COFINS, a definição de “take
or pay” se encontra no art. 1º, §4º da Lei nº 10.312/2001. Essa mesma definição foi adotada pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (CADE). Assim, essa cláusula pode ser entendida como multa pela desistência pelo tomador de serviços
reservados perante o prestador. Os valores decorrentes desta cláusula não decorrem de uma prestação de serviços e, portanto,
não compõem a base de cálculo do ISS. Que a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo é pacífica no
sentido de reconhecer que a cláusula “take or pay” é típica cláusula penal. Que sendo uma espécie de clausula penal, é certo
que os valores dela decorrentes não compõem a base de cálculo do ISS, uma vez que são multas pagas pelo descumprimento
contratual e, portanto, não representam contraprestação ao serviço prestado. Que, por conta das regras contábeis a que está
sujeita, é obrigada a registrar suas receitas segregando-as em receitas oriundas da prestação de serviços de armazenamento e
movimento de grãos e em receitas provenientes da cláusula “take or pay”. Que é arrendatária da CODESP e que, portanto,
possui contrato de arrendamento com essa pessoa jurídica. Que há especificamente previsto no contrato o mesmo dever de
segregação de receitas. Que a segregação não é sem motivo. A segregação é imposta pelo contrato de arrendamento e decorre
do reconhecimento de que os valores advindos da cláusula “take or pay” visam desestimular que os tomadores de serviço
desistam dos serviços reservados, uma vez que a promovente, na qualidade de arrendatária, tem o dever de efetuar uma
movimentação mínima, sob pena de estar sujeita ao pagamento de multa para a CODESP. Que a base de cálculo do ISSQN
prevista na Lei Municipal Santista não abrange a multa contratual cobrada para a prestação de serviço. Quanto à correção
monetária e juros moratórios, a forma é inconstitucional. Que a correção monetária e os juros de mora devem observar o limite
da taxa Selic. Pede tutela de urgência para que seja determinado que o Município de Santos se abstenha de exigir o ISS da
autora, relativamente aos valores recebidos em decorrência da cláusula “take or pay” presente em seus contratos, bem como
suspender a exigibilidade dos créditos tributários que são objetos das execuções fiscais referidas, alusivos à incidência de ISS
sobre tais valores. Pede ainda que o Município expeça a certidão positiva com efeitos de negativa para que a autora não incorra
em descumprimento contratual com a CODESP, o que poderia ocasionar a rescisão da concessão concedida. Requer que o
requerido se abstenha de praticar qualquer ato constritivo (inscrição no CADIN, SERASA etc), inclusive lavrar novos autos de
infrações e imposições de multa. No mérito, pede que a ação seja julgada totalmente procedente para que seja declarada a
inexistência de relação jurídica entre a autora e o Município de Santos que tenha por objeto a incidência de ISS sobre os valores
auferidos a título da cláusula “take or pay” e reste reconhecido, portanto, que tais valores não devem integrar a base de cálculo
de ISS, seja anulado o débito tributário referente ao PA n°31.988/2019-97 e por consequência todos os atos praticados pelo
requerido. Que, caso não seja dado provimento aos pedidos anteriores, que seja declarado que o índice de correção e juros de
mora incidentes sobre o débito tributário relativo ao imposto exigido seja o mesmo índice adotado pela União Federal para a
exigência de seus tributos (Selic). Juntou documentos às fls. 39/188. É o relatório. Fundamento e decido. É o caso de conceder
a tutela de urgência. A cláusula take or pay já foi reconhecida como uma espécie de multa que possui natureza indenizatória,
posto que envolve o pagamento não pela prestação de um serviço, mas de proteção ao vendedor caso o comprador se recuse a
aceitar o bem ou serviço na hora da entrega ou, no caso em testilha, o volume contratado de movimentação de grãos não seja
atingido, incidindo a referida multa. Não se trata, portanto, de prestação de serviço efetiva, mas de multa compensatória pelo
serviço não tomado. O art. 54 da Lei nº 3.750/71, que dispõe sobre cálculo de ISS, não inclui a multa na base de cálculo do
referido imposto e a ampliação de sua aplicação extensiva é vedada (art.111 do CTN). Este Juízo já se debruçou sobre caso
idêntico (processo nº de ordem 4360/2006 nº SAJ 0023635-66.2006.8.26.0562). No precedente a ação foi julgada procedente e
confirmada pelo TJSP, em Acórdão assim ementado: TRIBUTÁRIO. ISSQN. A base de cálculo do ISSQN prevista na lei municipal
santista não abrange a multa contratual cobrada com a prestação do serviço. Recursos desprovidos (Apelação com rev. nº
644.866.5/6-00, rel. Des Paulo Fadigas, 15ª Câm-A de Dir Públ TJSP, j. 12.7.07) E no bojo do V. Acórdão: A questão controvertida
não é a hipótese de incidência do tributo, prevista no art. 1º da LC 116/03, que é o serviço, mas a base de cálculo, definida pela
Lei Santista nº 3750/71 (Código Tributário Municipal). A redação do seu art. 54 efetivamente não prevê, como preço do serviço,
o acréscimo decorrente de multa contratual. E, em que pese a alteração legislativa posterior a esse julgado, dispõe o art. 54 do
CTM: A base de cálculo do imposto é o preço do serviço. § 1º Considera-se preço do serviço a receita bruta total auferida em
virtude da prestação de serviço, na conta ou não, inclusive despesas de reembolso, imposto faturado, acréscimo de juros,
encargos da operação de financiamento e riscos de crédito, reajustamentos e dispêndios de qualquer natureza, salvo os
abatimentos ou descontos concedidos incondicionalmente. (...) Ao que se infere, a multa compensatória da cláusula take or pay
é auferida em virtude da “não” prestação do serviço. Os documentos de fls. 172/176 revelam os valores oriundos da cláusula
take or pay em relação às empresas que contrataram a autora. Restou evidenciada, portanto, a probabilidade do direito. O
perigo de dano restou revelado em razão dos prejuízos financeiros que a exigência do ISS, aparentemente indevido, causará,
bem como dos prejuízos à sua atividade empresária, se constar como devedora. Posto isto, DEFIRO A TUTELA DE URGÊNCIA
para DETERMINAR: (I) que o Município de Santos abstenha-se de exigir o ISS da autora relativamente aos valores recebidos
em decorrência da cláusula “take or pay” (multa indenizatória pelo não cumprimento das quantidades de movimentação de
grãos estabelecidas em seus contratos); (II) a suspensão da exigibilidade do crédito tributário referente ao processo administrativo
n. 31.988/2019-97 (CDA n. 52.194/2019), objeto da execução fiscal 1504087-24.2019.8.26.0562; (III) Que o Município expeça a
certidão positiva com efeitos de negativa no que se refere à incidência de ISS sobre os valores da cláusula “take or pay” de seus
contratos; (IV) Que o Município abstenha-se de praticar qualquer ato constritivo (inscrição no CADIN, SERASA etc) no tocante a
débitos de ISS incidentes sobre a cláusula “take or pay”, inclusive abstenha-se de lavrar novos autos de infração e imposição de
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