TRF3 20/05/2019 -Pág. 391 -Publicações Judiciais I - Capital SP -Tribunal Regional Federal 3ª Região
DECISÃO
Vistos em inspeção.
Trata-se de pedido de tutela provisória de urgência, formulado em “Ação Anulatória”, em trâmite pelo procedimento comum, proposta por GRAN PETRO DISTRIBUIDORA DE COMBUSTÍVEIS LTDA., em face da AGÊNCIA NACIONAL DE
PETRÓLEO, GÁS NATURAL E BIO COMBUSTÍVEL – ANP, objetivando provimento jurisdicional que determine a suspensão da exigibilidade de multa no valor de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil reais).
Narra o autor que a ré, fundamentando-se na competência prevista no inciso XV do art. 8º da Lei 9.478/98, impôs a ele, no bojo do Processo Administrativo nº 48620.001180/2016-41, o pagamento de multa no valor de R$ 230.000,00 (duzentos e trinta mil
reais), referente ao Auto de Infração nº 118.156.2016.34.491754.
Em caráter preliminar, sustenta a inconstitucionalidade da Lei 9.478/97, pois na medida em que o art. 238 da Constituição Federal determina “[a] lei ordenará a venda e revenda de combustíveis de petróleo, álcool carburante e outros combustíveis
derivados de matérias-primas renováveis”, não poderia ter havido a delegação para a ANP da regulação da temática por meio de resoluções (tal como a Resolução ANP 58/2014).
Quanto ao mérito, sustenta a nulidade do ato administrativo, por ausência de motivação e não atendimento à finalidade implícita, pois, ao vender combustível de Distribuidora diversa da informada na marca comercial do Posto, foi autuada por infração ao
inciso II do art. 3º da Lei 9.847/99, norma complementada pelo art. 32 da Resolução ANP 58/2014 que tem como bem jurídico a proteção do consumidor.
Afirma que a conduta por ele praticada não viola o dever de informação ao consumidor, pois “os combustíveis comercializados pelos diversos Postos Revendedores SÃO EXATAMENTE OS MESMOS, COM A MESMA QUALIDADE, INDEPENDENTE
DA MARCA” (ID 13244471), razão pela qual a origem do combustível não interfere na qualidade do produto.
Nesse sentido, alega que, com evidente desvio de finalidade, a atuação do órgão regulador se volta à proteção da marca das Distribuidoras de combustíveis, o que não se encontra dentro das atribuições da ANP na qualidade de órgão estatal de
fiscalização.
Ademais, sustenta a inexistência de justificativa à multa. Isso porque, diante da greve dos caminhoneiros iniciada em 21/05/2018, a própria ANP, por intermédio do Despacho nº 671, “ liberou a vinculação da marca na venda de combustíveis, ou seja, as
Distribuidoras SEM Bandeira podiam vender a Postos Bandeirados” (ID 13244471 – página 24), o que comprova que “A QUALIDADE NÃO TEM RELAÇÃO COM A SUA ORIGEM! O consumidor não está sendo enganado!” (idem).
Salienta a inexistência de materialidade quanto a ela, uma vez que, como distribuidora, não pode ser punida por conduta do posto revendedor, bem assim que, no momento da comercialização, constava do cadastro da ANP (disponibilizado no endereço
eletrônico http://www.anp.gov.br) que o referido posto não tinha bandeira específica.
E, por fim, afirma que a Resolução 58/2014 viola os princípios da livre concorrência.
Pelas razões acima expostas, pretende a anulação da penalidade a ela imposta ou, de forma subsidiária, a redução da multa para R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
Com a inicial vieram documentos.
O despacho de ID 13439700 determinou o recolhimento das custas iniciais.
A autora, no ID 14298628, informou o recolhimento das custas, bem assim a ocorrência de fatos novos diante da determinação, pelo CADE, de instauração de inquérito administrativo em face da ANP, em que há questionamento da própria base normativa
da multa (isto é, do art. 32 da Resolução 58/2014).
A análise do pedido de tutela foi postergada para após a vinda de contestação (ID 15172593).
A autora requereu a juntada da cópia integral do Processo Administrativo nº 48620.00110-2016-41 (ID16147198).
Citada, a ANP apresentou contestação e documentos (ID 16938833). Aduziu que a sua criação pela Lei 9.478/97 tem sede constitucional. No tocante à penalidade imposta, afirmou a legalidade dos artigos 8º, XV e VXVI da Lei 9.478/97 e do art. 32 da
Resolução nº 58/2014, e ponderou que, ao contrário do alegado, as medidas restritivas “se justificam em razão da proteção do direito do consumidor, uma vez que este, ao identificar a marca exibida pelo posto, vincula a marca do posto à origem do
combustível” (idem).
Quanto ao Processo Administrativo, defendeu a sua legalidade, pois (i) não houve prova de que havia no sistema da ANP informações imprecisas; (ii) foram afastadas as alegações de ausência de dispositivo legal e motivação no auto de infração; (iii)
a responsabilidade pela infração é da distribuidora, a quem compete a verificação da situação cadastral do posto revendedor; (iv) a Portaria ANP 29/1999 e a Resolução ANP 58/2014 não afrontam a livre concorrência.
Destacou a autonomia da ANP em relação ao CADE, bem como que o Despacho 69/2018 (a que a autora faz referência), que não tem força impositiva, apenas determinou que a ANP reanalisasse os dispositivos, o que resultou na criação das Tomadas
Públicas de Contribuições (TPC) nº 3/2018 e 4/2014 e no Grupo de Trabalho (GT) instituído pela Portaria Conjunta CADE/ANP nº 4, de 11 de junho de 2018.
Salientou, ainda, que eventual revogação dos artigos 25 da Resolução 41/2013 e 32 da Resolução 58/2018 não irá alterar a situação da autora, pois os efeitos dessas alterações não poderão ser aplicados retroativamente, uma vez que a revogação opera
efeitos proativos (ex nunc), mantendo-se válidos todas as situações ocorridas anteriormente.
E, por fim, sustentou a correta aplicação da penalidade, e lembrou que não tendo a autora comprovado administrativamente que as condenações eram objeto de lide judicial e que a existência de parcelamentos anteriores ao transcurso de prazo igual ou
superior a 2 (dois) anos, a contar da data do pagamento ou da homologação até o cometimento da nova infração, são considerados para fins de reincidência.
É o breve relato, decido.
A questão preliminar, de inconstitucionalidade da Lei 9.847/99, não procede.
Ao contrário do alegado pela autora, a referida lei atende aos comandos constitucionais contido no art. 238 da Constituição, pois, como bem elucidado pela ré “se a Constituição da República determina que o Estado será agente normativo e
regulador e, no caso da indústria do petróleo, prescreve que haverá órgão regulador com atribuições fixadas em lei e esta lei dispõe que compete à ANP autorizar a venda e revenda de combustíveis, não há como se afastar a competência legal da
Autarquia para regular e fiscalizar as atividades relacionadas ao abastecimento nacional de combustíveis, por meio de Portarias e Resoluções” (ID 169388833 – página 5).
De conseguinte, no âmbito regulatório, não se verifica violação ao princípio da legalidade, na medida em que resoluções e portarias são editadas dentro da competência conferida por lei, in casu, a própria 9.847/99.
Assim, para a análise da situação trazida aos autos, deve-se ter como premissas a ideia de que o comércio e a distribuição de petróleo e óleos combustíveis derivados encontram-se na seara de tutela ao consumidor e da ordem econômica, bem assim que
compete à Agência Nacional do Petróleo – ANP, na qualidade de órgão regulador do monopólio da União, a fiscalização e fixação de critérios atinentes às atividades desenvolvidas pelas indústrias do petróleo e dos biocombustíveis.
Pois bem.
Nos limites de atribuições da referida Agência (isto é, do Poder Regulamentar), a quem, repise-se, compete estabelecer critérios para a atuação dos Postos de Combustíveis (revendedores) e das distribuidoras, foram editadas diversas resoluções e outras
tantas portarias, dentre as quais as Resoluções de nº 41/2013 e 58/2014 que, no tocante à base normativa da infração, assim dispõem:
Resolução ANP 41/2013
Da Identificação da Origem do Combustível Automotivo
Art. 25. O revendedor varejista de combustíveis automotivos deverá informar ao consumidor, deforma clara e ostensiva, a origem do combustível automotivo comercializado. (...) § 2º Caso no endereço eletrônico da ANP conste que o
revendedor optou por exibir a marca comercial de um distribuidor de combustíveis líquidos, o revendedor varejista deverá: (...) II - adquirir, armazenar e comercializar somente combustível automotivo fornecido pelo distribuidor do
qual exiba a marca comercial.
Resolução nº 58/2014
Art. 32 - É vedada a comercialização de combustíveis líquidos com revendedor varejista que não esteja autorizado pela ANP ou que optou por exibir a marca comercial de outro distribuidor, nos termos do art. 24 da Resolução ANP nº
41, de 5 de novembro de 2013, ou outra que venha a substituí-la, conforme informações disponibilizadas no endereço eletrônico www.anp.gov.br, exceto no caso previsto no § 1º deste artigo.
Conquanto a autora se insurja contra a penalidade imposta a ela, aduzindo a existência de vício insanável do ato administrativo, por desvio de finalidade e por ausência de motivação, tem-se que da simples leitura dos dispositivos transcritos supra
exsurge, de forma inequívoca, o escopo precípuo da atividade sancionadora: a proteção ao direito do consumidor.
As genéricas alegações de que a atuação da ré mascara verdadeira proteção à marca de “grandes distribuidoras” são demasiadamente frágeis, não passando de respeitável entendimento da autora. Ao contrário do que supõe a autora, a identificação da
origem do combustível pela marca não é um dado irrelevante. Ao revés, mostra-se fundamental no processo de escolha por parte do consumidor, que sopesa as variáveis “ preço” e “qualidade” de acordo com a procedência do produto (combustível),
para cuja escolha a informação visível a respeito da origem (“bandeira” do posto) é essencial.
Nesses termos, além de considerar que a identificação potencialmente interfere na escolha dos consumidores, tenho que não compete à autora verificar a existência (ou não) de prejuízos a eles, porque, se a seu entender os combustíveis são todos de
igual qualidade, a realidade fática assenta conclusão distinta, ou, pelo menos, constitui dado relevante para a escolha do consumidor, que se dispõe até a mesmo a pagar preço maior por determinada marca, e isso a despeito de a autora não considerar
importante a distinção.
De igual maneira, não encontra amparo a afirmação da autora de que a sua atuação ocorreu de forma lícita, sendo a suposta conduta violadora atribuível ao posto revendedor.
É que na qualidade de distribuidora, constitui seu dever observar ao disposto na Resolução ANP º 58/2014, atentando-se, dessa feita, ao cadastro dos postos com quem transaciona.
Quanto a esse aspecto, ademais, diante das alegadas inconsistências do cadastro existentes no sítio eletrônico da ANP, insta consignar que, no âmbito administrativo, não houve a sua comprovação, in verbis:
DIÁRIO ELETRÔNICO DA JUSTIÇA FEDERAL DA 3ª REGIÃO
Data de Divulgação: 20/05/2019 391/814